domingo, 15 de fevereiro de 2015

Contra o preconceito à diversidade sexual : Defensoria do Pará apura o caso de Gay proibido de doar sangue


A Fundação Hemopa começou a semana com um reforço de 157 bolsas coletadas no último sábado, 12, (Foto: Divulgação)Hemopa informa que cumpriu norma da Anvisa.
(Foto: Divulgação)

O funcionário público Pedro Ivo Couto, de 37 anos, foi impedido de doar sangue pela Fundação Centro de Hemoterapia e Hematologia do Pará (Hemopa), em Belém, ao responder pergunta confirmando união estável com parceiro do mesmo sexo. O caso foi denunciado nesta semana à Defensoria Pública do Pará, que enviou ofício ao Hemopa cobrando explicações jurídicas para o impedimento. Em nota enviada ao G1, o Hemopa informou que, "no caso de homens que tiveram relações sexuais com outros homens, esses ficam inabilitados para doação de sangue por um período de 12 meses, a partir do último relacionamento". O Hemopa tem até este sábado (14) para se manifestar oficialmente junto à Defensoria.
O caso ocorreu no último dia 21 de janeiro. “Decidi doar sangue para participar do Projeto Vida Digna, da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), pelo qual conseguiria a castração de dois gatos. Mas o projeto exige como contrapartida a doação de sangue, por exemplo”, contou.
De acordo com Ivo Couto, uma médica interrogou o servidor e perguntou se ele havia tido relação com prostituta ou homem nos últimos 12 meses e Pedro informou sobre sua relação de um ano e seis meses, mas foi logo barrado sob o argumento de que pertence a um grupo de risco, embora tenha levado dois exames de testagens negativas de HIV realizados em julho e novembro de 2014. “Essa médica foi muito grossa e áspera. Pedi que ela me desse um documento sobre todo esse impedimento”, relata, informando ainda que o atestado emitido o considerou “sem condições de fazer a doação de sangue”.
Inconformado com a falta de explicação, Pedro Ivo questionou a base legal da proibição. Foi quando a médica apresentou portaria 2712/2013, do Ministério da Saúde, que fixa regras para a doação de sangue pelos hemocentros.
Procurado pelo G1, o Hemopa declarou que assim como os demais hemocentros do Brasil, obedece rigorosamente as normas técnicas do Ministério da Saúde (MS), através da na Portaria 2712/2013, válida para todo território nacional, que  estabelece algumas situações de risco acrescido e que inabilitam a doação de sangue por um período variável. No caso de homens que tiveram relações sexuais com outros homens, ficam inabilitados para doação de sangue por um período de 12 meses, a partir desse último relacionamento.
Defensoria cobra explicações
A Defensora Felícia Fiúza já encaminhou ofício ao Hemopa cobrando explicações jurídicas sobre o impedimento e a instituição tem até o dia 14 de fevereiro para responder. O funcionário público se sentiu discriminado e agora busca reparação e responsabilização do Estado pelo ato. “Quem está errado? O Ministério da Saúde? A lei? O Hemopa?”, desabafou. Ele já comunicou o caso à Ouvidoria do Sistema Único de Saúde (SUS) e à Ouvidoria do próprio Hemopa.
Segundo Felícia Fiuza, não há mais classificação de grupo de risco e os homossexuais não estão mais no topo das estatísticas de transmissão do vírus HIV. O próprio Ministério da Saúde não usa mais a abordagem grupo de risco e, sim, comportamento de risco, pois as doenças sexualmente transmissíveis se espalham de uma forma geral.
Apesar de não citar a homofobia diretamente como um crime, a Constituição Federal brasileira define como “objetivo fundamental da República”, em seu artigo terceiro, o de “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação”. “O ato discriminatório afronta todos os direitos inerentes à condição humana, em especial o direito à intimidade e honra, a qual é obrigação do Estado resguardar, sob pena de responsabilização administrativa e civil”, afirmou a defensora.
Richard Callefa, coordenador estadual do Movimento LGBT do Pará (Foto: Richard Callefa / Arquivo pessoal)Richard Callefa é coordenador do Movimento LGBT
no Pará. (Foto: Richard Callefa / Arquivo pessoal)
Movimento LGBT critica norma
“Essa portaria além de contraditória é inconstitucional, desumana, cruel e covarde”, protesta Richard Callefa, coordenador estadual do Movimento LGBT do Pará. Segundo Callefa, a portaria do Ministério Público traz, com efeito, uma determinação restritiva que, mesmo não abordando diretamente questões de orientação sexual e identidade de gênero, enquadra os homossexuais em um grupo de risco. “Uma afronta sem precedentes aos direitos humanos da população LGBT, historicamente cerceada de direitos democráticos”, assevera.
O coordenador explica que o artigo que impede a doação de sangue por parte de candidatos que tiveram relações sexuais com outros homens está defasado por ser herança de regulamentações anteriores do Ministério da Saúde. “Ao mesmo tempo, a portaria contém um outro artigo que contém o veto ao uso da orientação sexual como critério de seleção para doadores. Isso é contraditório”, analisa.
“Nós, do Movimento LGBT queremos saber o real motivo que impediu Pedro Ivo de doar seu sangue para salvar vidas humanas que necessitam do seu tipo sanguíneo”, destaca o coordenador do movimento LGBT. “Não é a orientação sexual da pessoa que determina a prática do sexo anal, heterossexuais também praticam sexo anal, então, deveriam ser impedidos de doar sangue também. A restrição apenas a gays demostra a discriminação clara”.
Richard convoca a sociedade para o debate a respeito do caso e destaca que a discussão é pauta de importância nacional. “Iremos iniciar uma intensa mobilização na sociedade a respeito da temática. É preciso reforçar a luta contra todas as formas de opressão e popularizar a necessidade da criminalização da LGBTfobia no Brasil. Não vamos tolerar a perpetuação da discriminação”.
Publicado originalmente em G1/PA
 

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