sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Adoção ainda desafia lógica no Brasil









Por Morena Pinheir
Brasilia

O Estatuto da Criança e do Adolescente, criado em 1990, definiu que a convivência familiar e comunitária são fundamentais aos indivíduos de zero a 17 anos. Entretanto, existem no Brasil 5.653 crianças distantes desta realidade. São meninos e meninas que vivem em abrigos e estão aptos para serem adotados. Na vida real, porém, a maioria vive a infância e adolescência sem deixar os locais, ainda que o número de pessoas querendo adota-los seja quase seis vezes maior.
Os dados são do Castrado Nacional de Adoção (CNA) que aponta 33.289 pretendentes à espera de uma criança.
O cadastro foi criado em 2008 com o objetivo de dar mais agilidade nos processos e unificar os dados nacionalmente, de maneira que um interessado no Pará soubesse da existência de uma criança com o perfil desejado em São Paulo, por exemplo. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, responsável pela manutenção do banco de dados, o tempo médio de espera é de um ano -tempo que pode ser ainda maior, dependendo das restrições fixadas no perfil desejado pelos inscritos. Os dados mostram que ainda existe uma incompatibilidade entre a vontade dos pretendentes e a realidade das crianças que aguardam por uma família.
No universo de futuros pais, 27% querem adotar somente uma criança branca. Apenas 1,77%, ou 589 pretendentes, afirmam aceitar somente negros e menos da metade. Para 45,20% dos interessados em adotar, a cor da pele é indiferente.
Segundo os dados das crianças, 32,16% delas são brancas, 18,49% negras e 48,56%, como a maioria dos brasileiros, são pardas.

Idade é entrave maior que raça

Embora a raça ainda seja uma entrave, os dados do cadastro revelam que é a idade dos meninos e meninas o fator de maior incompatibilidade entre o que declaram os candidatos a adoção e o perfil disponível. Isso porque 69,8% preferem crianças com até 3 anos de idade. Mas apenas 2,6% do cadastro se encontra nessa faixa etária e a maior parte tem mais de oito anos. Nenhuma é recém nascida.
Ao se dividir por região, o Sudeste aparece com o maior número de crianças aptas para adoção e também de pretendentes. Só no estado de São Paulo, de acordo com o relatório feito no dia 28 de janeiro, havia 8310 pretendes cadastrados para 1358 crianças. Esses números são atualizados constantemente pelo CNJ e dificilmente se aproximam.
Para a Coordenadora da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Dora Aparecida Martins de Morais é mito dizer que o processo de adoção é muito lento.

Processo visa atender demanda da criança, não dos pais

“Muitas vezes, tal afirmativa, da demora, vem de pretendentes que querem um perfil de criança que não existe ou que é difícil de se apresentar – bebês, de tenra idade e brancos. É importante observar que o processo de adoção tem que ter a celeridade necessária sempre para atender a demanda da criança e não do adulto”, defende.
Na análise da Presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Silvana do Monte Morais, as barreiras encontradas nos processos de adoção vão desde questões estruturais até preconceitos. Segundo ela, em muitas cidades as varas da infância e da juventude não têm equipes técnicas em número suficiente para atender habilitações, adoções, destituições do poder familiar.
“Algumas varas, como as do Rio de Janeiro, por exemplo acumulam outras competências como idoso, outras acumulam família e até criminal. Dada a prioridade absoluta conferida a um único sujeito de direito – criança/adolescente – a vara da infância deve ter competência exclusiva”, pontua.

Acúmulo de competências em varas da infância: no RJ, cuidam de família e até penal

Silvana acredita que a legislação brasileira precisa avançar em vários aspectos, entre eles a adoção intuitu personae, que é a preferência da guarda por parentes biológicos, a diminuição do prazo de acolhimento institucional para um ano, rigor no cumprimento do prazo de tramitação das ações de destituição do poder familiar.
Mudança de cenário?
E o que pode ser feito para equacionar a questão? Como reduzir o número de crianças que esperam viver o que determina a lei? A juíza paulista acredita que o atual cenário está mudando e vê uma consciência maior dos candidatos sobre o perfil desejado.
“Os brasileiros estão se reconhecendo, cada vez mais, no filho não branco, não loiro, e ainda assim belo e apaixonante. Ainda existem pretendentes que batem à porta da adoção com uma dolorosa idealização do filho que não veio por meio biológico. Daí a importância do preparo de tais pretendentes e do tempo necessários para eles poderem adotar”.

Pretendentes estrangeiros devem entrar no cadastro este ano

No ano passado, foi aprovada pelo CNJ a inclusão de pretendentes residentes no exterior no Cadastro Nacional. A proposta altera o texto na Resolução 54/2008 que criou o CNA e pretende aumentar e dar mais agilidade nos processos de adoção. Esses dados ainda não estão no cadastro, mas a expectativa é de sejam incluídos este ano.
De acordo com a Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF), órgão ligado à Secretaria de Direitos Humanos e responsável pelo credenciamento dos organismos nacionais e estrangeiros de adoção internacional, houve uma redução no número de adoções internacionais. Em 2012 foram 300 crianças adotadas por residentes no exterior, em 2013 foram 217 e em 2014 apenas 126.
Com a inclusão das informações de pretendentes internacionais no CNA a expectativa da ACAF é aumentar o número de compatibilidade entre futuros pais e as crianças à espera de adoção. Mas há outra ação que pretende contribuir com as adoções desse tipo: a escolha de organismos com sede nos Estados Unidos que atuem em matéria de adoção internacional no Brasil. Hoje, para que uma pessoa residente em outro país possa se candidatar a adotar uma criança no Brasil ela precisa ser intermediada por instituições daqui.

“Cabe lembrar que a adoção internacional é sempre de caráter excepcional e, pois, não tem o condão de ser medida de solução para nosso números de crianças e adolescentes que esperam por uma família. Mas, é certo que a iniciativa, no que permite ampliar as oportunidades para crianças e adolescentes, é positiva”, ressalta Dora Aparecida Martins.

Publicado originalmente em : Info.org

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