sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Prisão não é mosteiro

Por KARINA C. B. LOPES







A educação no Brasil sempre esteve em uma situação aquém da necessária para o cumprimento de suas finalidades. Situação ainda mais polemica é vista no ambiente prisional, seja como forma “disciplinadora”, “reeducadora” ou de “ressocialização” do indivíduo encarcerado.
No que tange ao nascimento das prisões, autores como Rusche, Kirchheimer e Foucault convergem no sentido de afirmar que a elaboração dos códigos penais e regulamentos penitenciários (entre os Século XVI e XIX) têm relação direta com os interesses econômicos de mercado.
As antigas casas de “penitência” passaram a ser casas de “correção”. A burguesia trocou a velha ideologia religiosa por novos valores e instrumentos de submissão. Saiu o carrasco e entraram os capelães, educadores, médicos, psiquiatras, administradores. Uma forma de transformar a massa carcerária inútil e perniciosa em mecanismos dóceis e adestrados para servir à sociedade (FALCONI, 1998).  Assim, muitas vezes à revelia de seus ideais, a escola fomentou (e fomenta) esta relação de domínio.
Ainda hoje a educação é relacionada como meio de criar condições para que o apenado ingresse de algum modo no mercado de trabalho, ou seja, os estabelecimentos prisionais “parecem” estar a serviço do capital, tendo este como seu único fim.
Dificilmente a educação será desvinculada das questões econômicas, pois estas se constituem como atividade vital para o homem e, no atual contexto político, o interesse pelo trabalho é fundamental no sentido em estabelecer um processo de sociabilidade.
Contudo, entendemos que o papel da educação deve ir muito além destes interesses mercantis, não se reduzindo às relações sociais dominantes, podendo, contraditoriamente aos ideais das instituições de controle e, amparada na resistência diária, se constituir em um meio de libertação e de resistência à alienação opressiva (MCLAREN, 2000), ou seja, a educação pode ser um meio capaz de propiciar ao sujeito novos conhecimentos e, assim, libertá-lo da opressão, proporcionando uma vida mais digna, uma eficaz participação política e um desenvolvimento crítico e cultural.  
Para tanto, é imprescindível uma mudança de paradigmas. Os estudos a respeito dos aparelhos Repressivos Ideológicos de Estado (Althusser, 1996) denunciam que é eminente anecessidade de uma mudança no plano educacional ofertado dentro das prisões (quando oferecido). De igual modo é preciso repensar a metodologia do ensino aplicada ao apenado (quando aplicada), pois é inviável que se ofereça (quando oferecido) ao detento o mesmo sistema direcionado aos sujeitos não encarcerados, pois o adulto segregado requer uma relação distinta com os conteúdos, os quais devem levar em conta seu contexto social, sua história (Gadotti).
Ocorre que a lógica de poder e mercadológica aqui traçada não é inerente apenas ao sistema prisional, o ambiente escolar, sobretudo na modernidade, busca formar sujeitos úteis a ordem capitalista mundial.
Sem levar em conta as relações de poder e mercado, “ainda hoje há quem vislumbre na prisão um remédio, que remonta ao direito canônico, para purificar o homem e fazer o condenado expiar seu crime” (Casara 2014, apud Oliveira, 1984). Crendo na “ressocialização” do sujeito aprisionado pelo trabalho e pela educação.  Acontece que a prisão não é um suntuoso mosteironão formará monges – que aprendem a arte de perdoar e amar – após algum tempo de clausura.
Na nossa sociedade, a prisão apenas isola (em massa) os indivíduos indesejáveis à sociedade do consumo como estratégia de contenção (Casara, 2014). A prisão causa dor. O sofrimento causado pela privação da liberdade, somado as dores físicas causadas pela “falta de ar, de sol, de luz, pela promiscuidade dos alojamentos, pela precariedade das condições sanitárias, pela falta de higiene, pela alimentação muitas vezes deteriorada […]” (Casara, 2014), não corrobora com o discurso dominante.
Para além destas questões, precisamos de uma vez por todas compreender que o processo de socialização começa com o nascimento e segue por toda vida (Durkheim) e que “crime” é uma opção política – os homens que estabelecem quais condutas são criminalizadas – Assim, o fato do indivíduo cometer “crimes” agindo em desconformidade com a economia interna não lhe retira sua condição social! Portando, não vamos falar em ressocialização.  
Por óbvio, nesta poucas linhas, pretendemos apenas iniciar a discussão sobre o tema. Precisamos ir além, para tanto, não é suficiente que saibamos ler que “Eva viu a uva” é necessário compreendermos “qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho” (Freire, 1991, p. 22). Porém, para essa leitura crítica de mundo, alterações no modelo educacional e punitivo são cogentes, uma vez que, a utilização da instituição escolar e prisional para manutenção das relações de poder/controle, da forma como se estabelece, apenas fortalece – aquilo que Dostoiévski concebeu como sendo – a casa dos mortos”. 
Karina C. B. Lopes é Mestre em Educação pela Universidade da Região de Joinville; Especialista em Direito Penal e Direito Processo Penal; Professora de Processo Penal e Prática Processual Penal; Advogada no escritório MRL Advogados.

Publicado originalmente em : Justificando.com

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