quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O espaço publico usado para propagar o preconceito e a discriminação

Será a institucionalizaçaõ da intolerancia

Deputado federal, militar aposentado, declara para congressista, em espaço público e no exercício de suas funções: “jamais estupraria você porque você não merece”. Outro deputado federal, pastor neo-pentecostal, afirma: “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição”.
Articulista de jornal de grande circulação comenta:
De fato, não acredito que a humanidade aprenda muito em determinadas áreas, entre elas, romper a cegueira com a própria falha moral: dificilmente somos capazes de ver as coisas de modo claro quando está em jogo nossa autoestima e nossos interesses cotidianos. E quando (como no caso de “psicanalistas de esquerda”) se afirma que existe uma “clínica política” para questões como essas, o ridículo da coisa é maior ainda.” (Luis Felipe Pondé, “O quarto escuro”, Folha de S.Paulo)
Ao que é ecoado por outro luminar do pensamento liberal:
E é possível observar a baba de ódio escorrendo do canto de suas bocas[dos psicanalistas de esquerda] quando falam dos “conservadores”, dos “liberais”, ou dos Estados Unidos e Israel. Pergunta: o psicanalista de esquerda arriscaria a própria vida para salvar Jair Bolsonaro numa eventual ditadura bolivariana?” (Rodrigo Constantino, “Psicanalistas de esquerda e a covardia moral, Blog da Veja)
Que por sua vez teria sido precedido por uma síntese de conjunto, uma afirmação mais ampla e circunstanciada, que inclui os casos anteriores:
Sei, muitos ainda negam a ideia de que exista um processo de destruição da liberdade de pensamento no Brasil. Mas, uma das razões que fazem este processo ser invisível é porque a maior parte dos intelectuais, professores, jornalistas, artistas e agentes culturais diversos concorda com a destruição da liberdade de pensamento no Brasil, uma vez que são membros da mesma seita bolivariana.” (Luis Felipe Pondé, “Diálogo ou secessão”, Folha de S.Paulo)
O que fazer?
Declarações homofóbicas, misóginas, racistas, preconceituosas ou meramente agressivas como estas podem receber objeção, reprimenda jurídica ou reação institucional. O problema de tais discursos é que eles fazem com que pessoas propensas a atos de preconceito se sintam ainda mais legitimadas a pensar, dizer e finalmente agir de modo segregatório.
Contudo, como fazem parte de nosso debate público nos resta trabalhar para que aqueles que disseminam tais ideias sejam reprovados politicamente nas próximas eleições ou nas próximas consultas públicas para definir novos articulistas. Tais declarações despertam reações de protesto e críticas individuais ou coletivas, mas não um desejo de censura. A indignação é contida em nome da lei maior da liberdade de expressão, ou pelo espírito burocrático e leniente que ainda vigora quando o assunto são os crimes da palavra.

Parece pouco.
Alguns advogam que a melhor atitude neste caso seria a indiferença. Considerados como anacronismos sociais, tais exageros opinativos seriam gritos de quem resiste à mudança até o fim, uma espécie de intensificação do sintoma antes que ele seja abandonado. Ou então seriam expressão de um desejo de chamar a atenção, capitalizando o descontentamento com brados cada vez mais altos e intimidadores. Creio que esta tática de deflação narcísica, baseada na recusa ao reconhecimento, no silêncio obsequioso e na tolerância paciente, acredita demasiadamente que o debate público é uma questão de combate entre os “juntadores” de opinião. Cedemos assim à ideia de que tudo é uma questão de audiência, espetáculo ou de luta pela “aparecência”.
Ainda parece pouco.
Partilho do sentimento generalizado de que há uma pobreza de meios para lidar com tais excessos. Pobreza que nem uma lei de imprensa poderia evitar. Processos jurídicos, por difamação, calúnia ou injúria, execuções penais por crime de racismo, Comitês de Ética, falta de decoro parlamentar, até mesmo a execração pública de lado a lado são sentidos como instrumentos tímidos e impotentes. Quando questões de tratamento e respeito mútuo chegam neste acirramento o processo tende a caminhar pela força da lei ou pela arte da guerra. Ocorre que declarações como estas são de difícil trato em termos da coisa pública.
O que deveríamos fazer? Um plebiscito para saber se Bolsonaro merece ou não ser estuprado? Uma escola de re-educação, semelhante à que impomos aos maus motoristas, na qual Feliciano seria obrigado a passar alguns meses em convivência íntima com homossexuais? Um curso de estatística para fazer Pondé reaprender o conceito de “maioria” ou outro curso de filosofia para entender que significa “liberdade de pensamento”? Um exame toxicológico de hidrofobia para mostrar a Constantino que a “baba de ódio que escorre pela boca dos psicanalistas de esquerda” é imaginária, não contagiosa e tem poderes terapêuticos contra o neoliberalismo?

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